quarta-feira, 28 de março de 2012

Amores Cativados


Desde os 70, ou seja, desde que me entendo como gente, escuto a célebre frase do consagrado escritor Antoine Sant-Exupéry do grande Best Seller das passarelas de Misses: “tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas”. Li o Livro depois de tanto escutar a frase.
A idéia de cativar pessoas foi muito amplamente incentivada em todos os tempos em que vivi. Entenderam que é cativando que se conquista a simpatia dos outros. Logo, cativar está na cartilha e nos métodos daqueles que desejam “ficar bem na foto” com aquele que se pretende estabelecer uma relação de afeto e amor. Entretanto a frase foi sendo gasta com o passar dos anos e passou a ser usada como uma espécie de extorsão de amantes que não queriam arriscar-se em amores incertos. Mandar “na lata” essa frase tinha como intento deixar o parceiro enquadrado nas leis universais da justiça implacável de Deus. Era uma espécie de “veja bem! Olha só, eu estou me entregando a você nessa relação afetiva por acreditar que você tem pleno entendimento do que isso significa. E se não tem eu vou logo esclarecendo: Eu te amo e pronto. “Não ouse me desapontar”.
É claro que dentro das leis universais há que se responsabilizar por tudo aquilo que você for capaz de produzir. Aquilo que te realiza pelos seus atos é de sua responsabilidade. Mas e quanto ao amor? Será que alguém ama por ter produzido um fato? Será que se é amado por alguma atitude? Creio realmente que não. Uma música do Beto Guedes, que marcou profundamente em minha mocidade dizia: O medo de amar é o medo de ser livre para o que der e vier, livre para sempre estar onde o justo estiver... é não arriscar esperando que façam por nós o que é nosso dever: Recusar o poder. Estas frases sim me guiaram em minhas vivências no amor. Sempre tive a clara percepção de que o amor que amamos é algo que está muito além daquilo que alguém pode proporcionar em nossas vidas ou que possamos fazê-lo. Logo, amar não é uma atitude, uma produção, um ato pelo qual temos de prestar contas. Amar é, talvez, a mais bela das expressões da Liberdade. Para se viver uma plena e satisfatória vivência de amor é preciso estar preparado para se viver uma aventura pautada nas conseqüências do compromisso que assumimos com a liberdade.
Não é a toa que o amor é um dos elementos imprescindíveis na essência espiritual. As religiões tem sempre o amor como a mais importante pauta para se construir uma vida em acordo com a divindade e a santidade.
O que pode ter levado tanta gente boa a confundir o significado do amor pode estar na má interpretação dos mitos que o explicam. Para a sociedade helênica (os povo da antiga Grécia) Eros estava sempre associado a Afrodite. Esta por sua vez tem significado controverso em várias versões, sobretudo nas mutações que sofreu com a latinização da cosmogênese grega . Há até uma variedade de adjetivos para ela na condição de Vênus(nome romano para Afrodite) . Por exemplo há a Vênus porné para diferenciá-la de outras versões mais elevadas. Porné é a palavra que radicaliza a pornografia. Entenderam? Quando se pensa em amor fica impossível não lembrar de desejo e suas conseqüências, muitas vezes perversas. É aí que o amor pode se confundir com as amarras das correntes que escravizam os “pobres mortais” como nós.
Só mesmo quando se conhece o mito de Psique é que se tem a percepção plena do que realmente é o amor entre um casal. Só assim se percebe que Eros (o latino Cupido) vai além de Afrodite em seu poder e significado.
A vitória do amor passa pela vitória que temos de ter sobre nossas humanas condições infantis de dar ouvidos aqueles que certamente invejam nossa condição de amantes. É também a vitória sobre nossos medos de que o outro seja alguém indigno de nossa confiança para uma aventura tão radical. É vencer o infantil desejo de nos apossar de todos os segredos e recantos ocultos daqueles que amamos. Pelo simples fato de que ao cometermos tal violência podemos nos deparar com alguém que é muuuuuito menos impuros que nós mesmo. E que nossos pecados podem ser piores que os dele. Quando nos vemos diante disso prostramo-nos diante deste amor que agora, devassado e sem o direito a liberdade resolve fazer aquilo que qualquer cativo faz diante do seu implacável senhor: foge! Foge para bem longe! Para além do alcance daquele.que não confiou nele e que o tornou cativo.
Esse drama, muito bem encenado no mito de Psique e Eros, tem finam feliz! Não se assustem! Afinal Eros é um Deus. Psiquê sim, uma dimensão humana. Ela é a nossa alma. Assim a alma é infeliz sem o amor. O lado bom da história é que o amor, Eros, também é infeliz sem a alma. Para tê-la de volta e numa condição totalmente elevada. Ele faz greve e deixa de realizar as suas tarefas no Olimpo até que Zeus permita que ele tenha a sua “alma”, psique” de volta. O amor quer viver entre nós pois alegra-se em ter um elemento que o aproxima da humanidade.
Portanto antes de pensar que o amor é fruto de ações cativantes e que aquele que ama tem a responsabilidade pelo ser amado duvide de suas conclusões racionais sobre esse divino sentimento que é o amor. Quem deseja de fato vivê-lo precisa estar preparado para uma aventura mítica que é capaz de elevá-los as mais altas nuvens.
M.M Soriano, um escritor frasista de primeira linha contrapõe a sacralidade que deram a frase do autor do belo livro “O Pequeno Príncipe”. Ele diz: Não, Saint-Exupéry! Tornamo-nos totalmente irresponsáveis quando cativados. Quem foi cativado tem todo o direito de fugir do seu algoz, a Alma medrosa. Resta depois ao algoz buscar nos mais profundos lugares de seus medos onde poderia se esconder a tão livre amor.
Ricardo Le Duque

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